Plano de Saúde não pode negar cobertura de cirurgia de urgência em consumidor
O art. 421, do Código Civil, estabelece que a liberdade de contratação encontra por limite a função social do contrato, que, nos casos de plano de saúde, é a preservação da vida.
Neste trilho, a relação entre segurado e a empresa de plano de saúde, por se tratar de típica relação de consumo deve ser analisada à luz da Política Nacional das Relações de Consumo, que tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua saúde e a melhoria da sua qualidade de vida, na forma do art. 4º, Código de Defesa do Consumidor.
Não bastasse, a Constituição Federal, que estabelece como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), garante a inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput) e elenca a saúde como um direito social (art. 6º).
Logo, patente que as partes firmam contrato de prestação de seguro de saúde que, normalmente, segundo as empresas de plano de saúde, não consta obrigação expressa e cobertura de determinada cirurgia. De forma que o se o contrato é omisso, por razões obvias, dignidade da pessoa humana e inviolabilidade do direito à vida, deve se entender como obrigatória a cobertura dos procedimentos ora postulados. Afinal, é impossível os contratos constarem expressamente todos os tipos de intervenções jurídicas existentes.
Outrossim, imperioso destacar que, mesmo se existisse cláusula que excluísse tal cobertura fere a própria natureza do contrato, em afronta ao disposto no art. 51, § 1º, II , do Código de Defesa do Consumidor, assim como o disposto no art.10, VII , da Lei nº 9.656/98.
Nessa linha é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, vejamos:
APELAÇÃO PLANO DE SAÚDE Sentença julgou procedente a ação para reconhecer a obrigação da requerida em arcar com todos os gastos referentes ao tratamento cirúrgico de que necessitou a autora Inconformismo da ré Não acolhimento- Súmula nº 100, do TJ/SP, estabelece que a Lei nº 9.656/98 é aplicável aos contratos de plano de saúde, ainda que tenham sido firmados antes de sua vigência – Existindo previsão contratual para tratamento da moléstia, a recusa, em custear o necessário material, fere a própria natureza do contrato, em afronta ao disposto no art. 51, § 1º, II1 , do Código de Defesa do Consumidor, assim como o disposto na Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde Recurso adesivo da autora Pedido de majoração do valor fixado a título de danos morais Valor fixado em patamar razoável em face das circunstâncias retratadas nos autos – Decisão mantida Recursos desprovidos. Apelação nº 1071485-49.2014.8.26.0100 – 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Des. COSTA NETTO – Julgado em 14 de março de 2017
Plano de Saúde. Ação de cobrança. Sentença de procedência. Apelo interpostopela ré. Cláusula contratual que exclui a cobertura para procedimentos cardíacos. Negativa de cobertura para a cirurgia cardíaca recomendada pelo médico. Limitação abusiva. Aplicabilidadeda Lei 9.656/98 a contratos celebrados em data anterior à sua vigência. A restrição imposta atingeo princípio da boa-fé objetiva, revelando abusiva e, portanto, nula nos termos do art. 51 IV e § 1º do CDC. Aplicação das Súmulas nº 100 e 102, ambas do TJSP. RECURSO NEGADO (TJSP; Apelação 1002378-31.2016.8.26.0363; Relator (a): Maria de Lourdes Lopez Gil; ÓrgãoJulgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mogi Mirim – 1ª Vara; Data do Julgamento:20/09/2018; Data de Registro: 20/09/2018).””PLANO DE SAÚDE. Negativa de custeio de cirurgia para colocação de marcapasso, em decorrência de ser portador de “doença do nó sinusal”, sob alegação de que o plano não foi adaptado, bem como inexistência de cobertura contratual. Contrato anterior à Lei9.656/98. Irrelevância. Súmula 100 desta Corte. Procedimento necessário ao tratamento de doença coberta pelo contrato. Médico assistente a quem compete indicar o tratamento e analisaros materiais necessários. Proibida a exclusão de cobertura de prótese ligada ao ato cirúrgico.Art.10, VII, Lei 9.656/98. Abusividade de cláusula que exclui a cobertura contratual. Art.51, IV,CDC. Sentença mantida. Honorários advocatícios majorados. Recurso não provido, comobservação (TJSP; Apelação 1004807-13.2018.8.26.0100; Relator (a): Fernanda GomesCamacho; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 31ª Vara Cível;Data do Julgamento: 29/08/2018; Data de Registro: 30/08/2018).
Neste sentido, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. ART. 535, II, DO CPC. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS. NEGATIVA INJUSTIFICADA DE COBERTURA DE PRÓTESE NECESSÁRIA A PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. DANOS MORAIS. CABIMENTO. QUANTUM COMPENSATÓRIO. VALOR NEM ABUSIVO NEM IRRISÓRIO. REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (…) 2. É abusiva a cláusula que exclua da cobertura órteses, prótese e materiais diretamente ligados ao procedimento cirúrgico a que se submete o consumidor. Precedentes. (…) (STJ – AgRg no AREsp: 713594 DF 2015/0119153-9, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 16/06/2015, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/06/2015)(Destacamos)
Além disto, a aplicação do princípio do “pacta sunt servanda”, impõe o diálogo entre a autonomia privada, a boa-fé e a função social do contrato.
Demonstrando a tese ora aqui defendida, em caso patrocinado pelos advogados João Paulo Leme Saud do Nascimento e Guilherme Feldmann, decidiu o Judiciário do Tribunal de Justiça de São Paulo.
O pedido de tutela antecipada formulado pela requerente comporta acolhimento. De acordo com os documentos coligidos aos autos com a inicial, a autora possui grande limitação funcional em ombro direito, perda de força, lesões parciais e delaminação do supra espinhal, lesões do bíceps e artrose acrimioclavicular, sendo que já realizou tratamento medicamentos o sem melhora, razão pela qual foi indicado pelo médico responsável por seu tratamento os seguintes procedimentos cirúrgicos: ruptura do manguito rotador – procedimento videoartroscópico de ombro; acromioplastia – procedimento videoartroscópico de ombro; e tenotomia da porção longa do bíceps – procedimento videoartroscópico. Diante disso, solicitou autorização do réu para a realização dos procedimentos, entretanto,os mesmos foram negados sob a alegação de que o contrato pelo qual o beneficiário encontra-se vinculado foi firmado antes da vigência da Lei nº 9.656/98, não estando submetidos às coberturas assistenciais por ela garantidas .Em exame perfunctório, entendo presentes os requisitos para a concessão da tutela de urgência reclamada. O perigo de dano ou de difícil reparação encontra-se evidenciado pelo diagnóstico já realizado (folhas 34) onde constatado que a requerente necessita do tratamento cirúrgico prescrito, sob pena de agravamento de seu estado clínico. A probabilidade do direito da requerente também se faz presente, uma vez que, de acordo com os documentos juntados aos autos, os procedimentos são indispensáveis para a preservação da saúde da autora. No presente caso, os procedimentos cirúrgicos foram recomendados pelo médico de confiança da autora, não havendo indícios de se tratar de procedimentos experimentais ou de caráter estético………….. Assim, pelos motivos acima alinhavados, defiro a tutela de urgência pleiteada para determinar que a ré autorize e custeie os seguintes procedimentos a serem realizados na autora: a) ruptura do manguito rotador – procedimento videoartroscópico de ombro; b) acromioplastia – procedimento videoartroscópico de ombro; c) tenotomia da porção longa do bíceps – procedimentovideoartroscópico, tudo no prazo de 10 dias, sob pena de incidência de multa diária de R$ 1.000,00até o limite de R$40.000,00, independentemente da adoção de outras providências necessárias para o cumprimento da medida de urgência deferida. Processo 110260-91.2018.8.26.0066 – Juiz Dr. Cláudio Bárbaro Vita – Publicado em 05/12/2018
Portanto, caso seu plano de saúde negue cobertura de alguma cirurgia, procure um advogado e lute pelos seus direitos.
Artigo escrito por João Paulo Leme Saud do Nascimento OAB/SP 310.181 e Guilherme Feldmann, OAB/SP 254767, da Feldmann Advocacia.